RELAÇÃO ENTRE AS EMOÇÕES E OS ÓRGÃOS

Embora a Medicina Tradicional Chinesa seja um sistema médico, baseado numa sabedoria milenar, não raras são as vezes em que se revela difícil de inserir na lógica cartesiana do sistema médico ocidental. Ela compreende uma visão universal e polarizada do funcionamento do corpo, numa linguagem que, muitas vezes, pode parecer estranho aos ouvidos ocidentais. 

Assim, um órgão é mais do que uma porção individualizada do corpo e compreenderá uma função fisiológica, intelectual, emocional e espiritual, com comportamentos e expressões clínicas examinados na sua globalidade. 

Nesta visão universal e polarizada sobre o padrão de funcionamento do corpo, torna-se, portanto, de extrema importância, para a saúde, compreender particularmente as emoções, para efeitos de diagnóstico de fatores de adoecimento interno. 

Em MTC, as emoções não são tidas por quaisquer sentimentos que fazem parte da vida humana. Consideram-se emoções, para esse efeito, os estímulos mentais que podem alterar o equilíbrio do organismo e a harmonia da energia. Neste sentido, um estado de desequilíbrio emocional, vivenciado de forma prolongada ou intensa, pode prejudicar os órgãos internos e causar doença. Por contraponto, a desarmonia dos órgãos internos também pode causar o desequilíbrio emocional. 

É esta a característica que alteia a visão da MTC como um sistema que melhor compreende o ser como um todo, físico, mental e emocional, em que as emoções são inerentes à natureza humana tanto quanto os próprios órgãos internos na sua generalidade. 

Neste padrão de funcionamento do corpo, embora se considere que cada emoção afeta um órgão Yin em especial, as relações de causalidade não são interpretadas de forma rígida ou isolada, dado que, aos órgãos internos encontram-se associadas energias psíquicas concretas, que apenas se transformam em emoção negativa quando ativadas por determinados estímulos externos. 

Trata-se de uma perspetiva que entende as emoções, não como oriundas de causas externas, mas sim, como energias internas ativadas por estímulos externos, o que explica a razão por que uma certa emoção afeta um órgão em específico. Ou seja, um órgão em especial, já produz uma determinada energia psíquica com características próprias que, quando sujeita a estímulos emocionais, responde ou “ressoa” com aquela emoção em particular. 

Por exemplo, torna-se simples compreender que o Fígado é afetado pela raiva, devido às suas características de movimento livre, fácil e rápido. Assim, entende-se, desta forma, como prejudiciais aos órgãos internos e causadoras de doença, as emoções resultantes de um desequilíbrio excessivo e prolongado de estado emocional. 

Em MTC, as emoções ganham uma elevada posição de relevo e obedecem, por isso, a uma categorização baseada na teoria dos Cinco Elementos, em que cada emoção afeta, de forma não rígida, um órgão Yin, a partir do seguinte padrão de interpretação:

  • Raiva afeta o fígado
  • Alegria (superexcitação) afeta o coração
  • Excesso de pensamento afeta o baço
  • Tristeza afeta o pulmão
  • Medo afeta o rim

A importância desta visão no diagnóstico de fatores de adoecimento interno, é de que o corpo e a mente se consideram uma unidade inseparável e que, quando estiverem perturbados, dão origem a sintomas e sinais nas esferas física, mental e emocional.

EMOÇÕES EM MTC

Numa perspetiva clássica, tal como foi referido, as emoções são categorizadas em cinco, de acordo com os Cinco Elementos: madeira, fogo, terra, metal e água. Todavia, este padrão tem vindo a sofrer modificações e interpretações flexíveis, à medida que se compreendem os diversos efeitos que cada uma das emoções pode causar a vários órgãos ao mesmo tempo. 

Assim, além das cinco emoções classicamente conhecidas, como a raiva, a alegria/superexcitação, o excesso de pensamento, a tristeza e o medo, também se destacam outras duas emoções de extrema relevância nas sociedades ocidentais, como o desejo e a culpa. Na verdade, a lista de emoções hoje em dia conhecidas e estudadas é ampla, mas por uma questão de concisão, compete-me aqui assinalar a particularidade de apenas algumas delas e que são as seguintes:

RAIVA

Compreendida num sentido etimológico lato, a raiva inclui outros estados emocionais, como o ressentimento, sensação de mágoa, raiva reprimida, frustração, fúria, indignação, animosidade ou amargura. Qualquer um destes estados emocionais pode afetar o fígado se perdurar no tempo, e causar sintomas como dores de cabeça, tinido, tontura, face vermelha, sede, sabor amargo, etc. A raiva não se resume apenas a explosividade ou irritabilidade, ocorre também, por exemplo, nos indivíduos em estado de depressão prolongada que, muitas vezes, a interiorizam durante anos sem nunca a manifestarem. 

A raiva pode também afetar outros órgãos, para além do Fígado, por exemplo, situações de raiva acumuladas em ambientes de refeições familiares ou ciclos de stress no trabalho que se retomam logo após uma refeição, tendentes a prejudicar, respetivamente, o estômago ou os intestinos. 

As contrapartes da raiva em termos de energia mental são força, dinamismo, criatividade e generosidade. A mesma energia que é dissipada em explosões de raiva pode ser aproveitada para atingir os objetivos da vida.

ALEGRIA

Parece antinómico considerar a alegria como uma potencial causa de doença, dado tratar-se de um estado mental benéfico e desejável para uma vida saudável. O significado de “alegria” como causa de doença não é, obviamente, decorrente de um estado de contentamento saudável, mas sim de uma excitação excessiva e ansiosa que pode prejudicar o coração. A título exemplificativo, pode-se indicar a ansiedade irregular ou a excitação repentina que pode dilatar ou retardar a pulsação do coração, deixando-o em vazio energeticamente.

A alegria, nesse estado de excitação excessiva, além de similar ao choque, aumenta o coração e causa sintomas como palpitações, hiperexcitabilidade, insónia, inquietação, etc.

PREOCUPAÇÃO

A preocupação é uma das causas emocionais de doenças mais comuns na nossa sociedade. A mudança social extremamente rápida que tem ocorrido nas sociedades ocidentais, cria um clima de insegurança em muitas esferas da vida. É um estado emocional relativamente pessimista que desgasta uma pessoa, devido ao constante estado de alerta para controlar tudo, que quando se torna obsessiva leva a regras rígidas e perda de flexibilidade. 

Como as demais emoções, a preocupação pode provocar certas sensações como aperto no tórax e insónia, além dos sintomas como a falta de apetite, leve desconforto epigástrico, alguma dor e distensão abdominal, cansaço e compleição pálida. 

A preocupação é a contraparte emocional da energia mental do baço, que é responsável pela concentração e pela memorização.  Quando o baço está saudável, podemo-nos concentrar e nos focalizar nos assuntos do dia a dia.

TRISTEZA

A tristeza inclui a emoção do pesar, causada, por exemplo, pela morte de um familiar ou por término de uma relação amorosa. Quando profunda e prolongada, gera a depressão. O pesar e a mágoa, alteram a energia do pulmão, resultando na diminuição da respiração e da energia como um todo, que é própria da depressão. 

A tristeza pode ter como sintomas ou sinais a voz fraca, o cansaço, a compleição pálida, a ligeira falta de ar e a sensação de opressão no tórax. 

É muito importante salientar que a tristeza afeta tanto o pulmão como o coração e o fígado, pelo mero efeito da confusão mental, da perda de sentido de direção e da incapacidade para planear a vida que provoca no indivíduo. 

MEDO

O medo é uma emoção inerente ao espírito natural de sobrevivência e, como fator de autoproteção, é necessário para garantir a integridade física e mental do indivíduo. Porém, quando em excesso, não só paralisa a ação como gera fobias e ansiedades. O medo é a principal emoção ligada ao rim, mas também afeta o coração e o fígado.

A contraparte positiva do medo dentro das energias mentais do rim é a flexibilidade, a complacência em face da adversidade e a tolerância diante do sofrimento.

DESEJO

No contexto da Medicina Chinesa, o “desejo” indica um estado insaciável de constante sofrimento mental e emocional. Neste estado de constante carência insaciável, incluem-se tanto os objetos materiais como os relacionamentos sociais.

O desejo como causa emocional de doença, é uma das emoções que, para além da sua inerência à natureza humana, tem vindo a ganhar maior evidência nas sociedades de consumo, devido à ação propagandista dos mercados. 

Cumpre mencionar paralelamente que, se a mente estiver calma e satisfeita, a vida consegue ser mais equilibrada e feliz. Se pelo contrário, se deixar ir pelas exigências do desejo, o individuo anseia constantemente por novos objetos ou reconhecimento que, mesmo quando atendidos, nunca satisfazem, deixando o individuo mais frustrado.

CULPA

A culpa, tal como o desejo, é também uma causa emocional de doença de relevância destacada nas sociedades ocidentais, onde é essencialmente de cariz sociocultural. Esta autoreprovação baseada em questões morais que muitas vezes ocorrem através de mecanismos inconscientes ou incontroláveis, inclui um sentimento de desespero, em que o individuo é juiz cruel e pouco razoável de si próprio. Neste sentido, a culpa é quase uma emoção oposta à raiva. 

Dependendo da sua profundidade e da situação concreta do individuo, pode causar prejuízos ao pulmão, coração, baço, fígado e rim.

Importa referir que a relação entre cada órgão e emoção em particular é mútua, formando um padrão onde o estado do órgão afetará as emoções e as emoções afetarão o estado do órgão. Neste sistema, todos os níveis do ser se comunicam, de modos tão evidentes que uma simples perturbação emocional terá repercussões fisiológicas, nas áreas governadas pelo órgão responsável por essa mesma emoção, bem como nas áreas governadas por outros órgãos perturbados pela desarmonia.

Conforme já se demonstrou, as emoções em si não são causadoras de doenças, pois são inerentes da natureza humana. É normal que as pessoas sintam uma variedade de emoções em diferentes circunstâncias. Porém, quando as emoções são prolongadas, intensas, reprimidas ou não admitidas, afetam o equilíbrio interno do indivíduo, levando a uma alteração do fluxo de energia, tornando-se causas de desarmonia nos órgãos e vísceras, gerando doenças.

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